por Tadzia Maya
O software livre, social e culturalmente, é visto e anunciado, pelos tecnicistas e defensores do livre mercado, como ‘tênis’ fora de moda, tecnologia não tida como de ponta e tantas outras coisas que não estão entre os interesses e comportamentos mais aceitos pela atual sociedade de consumo. Assim acontece com a agroecologia, com a semente crioula, com a pequena agroindústria cooperativa, com os remédios homeopáticos e fitoterapicos.
Sob o ponto de vista educacional, o fortalecimento do software livre enfrenta os mesmos desafios que qualquer outra possibilidade de mudança política, econômica, cultural e social. Somos produto de um modelo tradicional de educação autoritária, centrada na figura do pai, do professor, do padre, do doutor, dos meios de comunicação: dos que sabem e que se julgam os responsáveis de repassar seus conhecimentos para os que não sabem. Recebemos aquilo que outros determinam ser importante para nossas vidas e assim somos preparados para reproduzir sem refletir sobre nossos atos repetitivos. Não somos desafiados a entender causa e efeito, como as coisas são feitas e funcionam, os porquês de cada ação que fazemos. Somos apenas treinados a repetir ações e comandos sem nos darmos conta como e porque as nossas ações resultam nisto ou naquilo.
Na informática, o alcance dessa maneira de ver e conceber a vida é muito maior que em outros campos do conhecimento. Na informática, lidamos com maior grau de abstração da realidade. Se não aprendermos, minimamente, a sua lógica de funcionamento, o que está por trás da máquina, de cada componente, de cada comando, facilmente nos perdemos e não sabemos como lidar com ela. A forma tradicional de lidar com o conhecimento cria dependência, principal característica da sociedade de consumo capitalista. As pessoas treinadas a apenas repetir perdem a capacidade criativa e de viver com autonomia, preferem a segurança da dependência e da submissão à liberdade de poder sempre recriar a realidade.
Na informática, como em qualquer campo do conhecimento e da vida, a superação da dependência dos modelos únicos está relacionada à capacidade de reagir permanentemente diante das novas situações, de uma nova realidade. Se a estrutura de pensamento, construída nos indivíduos, está preparada para reagir positivamente diante de novas situações e realidades, será sempre possível encontrar novas soluções para as novas situações.
A possibilidade de melhor administrar as dificuldades do dia a dia está relacionada a capacidade de ver a realidade em permanente movimento, que nada está pronto, nada está acabado, sempre é possível encontrar outra resposta para um mesmo problema. O software livre assim como a agroecologia, a saúde natural, uma alimentação saudável dependem dessa nova postura, desse novo modo de encarar a vida. Os vacinados e contaminados pelo neo-liberalismo- e todos nós temos um pouco disso – migram para o software livre quando descobrem suas vantagens econômicas mas não são capazes de ver nele seu potencial fortalecedor e construtor de uma nova forma de ver e conceber a vida e o desenvolvimento.
O software livre tem maior aceitação, mesmo diante das dificuldades de adaptação, junto às organizações e pessoas que já estão envolvidas em processos de luta, transformação e superação do atual modelo de desenvolvimento capitalista. O espírito de liberdade que mobiliza os amantes do Software Livre ultrapassa os limites da informática e se estende para outras áreas do conhecimento, fortalecendo a luta pela superação do conceito de propriedade intelectual e possibilitando o conhecimento compartilhado e colocado em comum na perspectiva de melhorar a vida e não apenas voltado aos interesses econômicos de corporações sedentas por lucros.
Iniciativas como cerveja, filme, jornalismo, biotecnologias, fármacos, pesquisas, inovações de código aberto começam a pipocar em todo o mundo, integrando e fortalecendo o movimento pela liberdade do conhecimento. Isso, na verdade, representa uma poderosa força na construção de uma nova cultura que valoriza a cooperação como forma de construção do conhecimento e de busca de soluções para os problemas da atualidade.
A importância do uso do “Software” Livre está relacionada à autonomia possível e desejável, até por uma questão de segurança e soberania. O que representa, para o Brasil, o monopólio da “Microsoft”, onde mais de 90% dos usuários de informática são totalmente dependentes e reféns dela? Isso é tão ou mais preocupante que o monopólio das sementes, das biotecnologias, dos alimentos ou de qualquer outro setor.
10 de setembro de 2007